Transição Energética dos Sistemas Isolados na Amazônia

Por Nivalde de Castro, George Alves Soares e Lillian Monteath.

Este artigo foi publicado no Broadcast da Agência Estado de São Paulo em 08 de julho de 2021 (Clique aqui acessar o PDF).

O processo irreversível de transição energética mundial tem como objetivo central reduzir, gradativamente a emissão dos gases de efeito estufa, para que o aquecimento global possa ser revertido. Para tanto, em função do que foi firmado no Acordo de Paris, os países vêm adotando políticas públicas, planos, programas e ações para atingir as metas de descarbonização. E observa-se, com um certo e contido otimismo, decisões de antecipar o cumprimento das metas, como verificado na reunião do G7 realizada em junho no Reino Unido.

O Brasil tem uma grande vantagem competitiva na corrida mundial da descarbonização, dado que o setor elétrico detém uma das matrizes mais renováveis do mundo (85%). E, mesmo a matriz energética, está bem abaixo da média histórica. De tal forma, que segundo estudo da EPE (2020) as projeções para 2030 sinalizam que dos 484 milhões de toneladas de emissões de CO2, corresponderá menos de 10% do setor elétrico e quase 50% será da
responsabilidade do setor de transportes, em grande parte devido à predominância de veículos à combustão e das distâncias continentais.

No entanto, o setor elétrico brasileiro (SEB) convive com uma espécie de contradição. Por um lado, detém uma matriz elétrica de fontes renováveis, que os países desenvolvidos planejam chegar em 2050. Mas, por outro lado, no que é atualmente o ícone do meio ambiente, a região Amazônica, existem 258 “ilhas de poluição” onde a energia elétrica é produzida em sua quase totalidade por unidades termoelétricas a base de óleo diesel, que são uma das maiores emissoras de CO2.

A razão desta contradição está na dimensão continental do Brasil e na dispersão da população brasileira nos estados do Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e outros três estados onde cerca de 3 milhões de brasileiros vivem em pequenas cidades, que não estão conectadas ao SIN – sistema interligado nacional – por onde a demanda de energia é atendida com a grande maioria de fontes renováveis.

Segundo informações do ONS (2021), o consumo nos Sistemas Isolados, como são denominadas estas localidades, é inferior a 1% da carga do país, concentrando 1,4% do total da população brasileira.

A energia elétrica produzida e consumida pelos Sistemas Isolados, além de poluidora é muito onerosa, envolvendo uma custosa logística de transporte por rios com forte sazonalidade, e trata-se de um combustível também muito caro.

Este custo é pago, via o subsídio Conta de Compra de Combustível (CCC), pois do contrário, esta parcela da população não teria como pagar por uma energia tão cara. O montante deste subsídio, estimado para todo o ano de 2021 pela CCEE, e próximo dos R$ 8,5 bilhões, implicando em um custo mensal per capita de R$ 280,00 aproximadamente.

Ressalta-se ainda que não há previsão de interligação ao SIN nos próximos anos para cerca de 200 destes sistemas o que enfatiza a necessidade de soluções mais sustentáveis em termos de descarbonização.

Merece ser destacado que o arcabouço institucional está bem definido e pode se descrever de forma sucinta que o estabelecimento da política energética cabe ao MME, incluindo as diretrizes dos leilões, a previsão de carga e o planejamento da operação dos sistemas isolados é atribuição do ONS, os estudos do planejamento da expansão e interligação da EPE, e a realização dos leilões e fiscalização da operação fica a cargo da ANEEL.

A participação das concessionárias de distribuição de energia elétrica neste processo é fundamental, pois as informações primarias, como a previsão da demanda, são coletadas no âmbito do conceito de monopólio natural que rege este segmento de mercado.

A questão que se coloca é saber se é possível tecnologicamente e viável economicamente promover a transição energética para reduzir a através da redução do uso do óleo diesel.

Do ponto de vista tecnológico, a dinâmica mundial da transição energética está abrindo possibilidades, técnicas e econômicas, para sistemas híbridos que permitem reduzir o consumo de óleo diesel, integrando as termoelétricas com painéis fotovoltaicos e sistemas de baterias. Estes sistemas dão flexibilidade e ajudam a descarbonização, com custos que estão se reduzindo em função das economias de escala produtiva. Esta alternativa já poderia ter sido aplicada nos editais dos leilões, que agem como um importante instrumento de inovação e de descarbonização.

Outra possibilidade, no conceito de transição, é a substituição do óleo diesel por termoelétricas a gás natural. Esta possibilidade foi aplicada em um leilão inovador para o atendimento da demanda da cidade de Boa Vista. Ganhou o leilão a Eneva que vai construir uma usina térmica, cujo gás virá de reservas localizadas a mais de 1.000 km. O gás passará por um processo de liquefação e será transportado em tanques criogênicos através de caminhões até Jaguatirica II, onde será regaseificado e utilizado na geração de eletricidade. E esta inovação tecnológica permitirá reduzir os gastos da CCC.

Em suma, a descarbonização dos Sistemas Isolados do Brasil tem condições de ser realizada dado que a política energética tem um marco institucional com experiência e funções definidas e integradas. A acelerada dinâmica das inovações tecnológicas, determinada pelos compromissos com a descarbonização mundial, está criando condições para que sistemas híbridos e flexíveis possam ser incorporados aos Sistemas Isolados com a rápida e consistente tendência de redução de custos. O custo muito elevado das térmicas a óleo diesel, que se expressa nos R$ 8,5 bilhões do subsídio do CCC, permitem adoção de modelos de negócios que podem substituir gradativamente a base produtiva, como é o caso de Boa Vista. E o principal instrumento para acelerar a transição energética
da Amazônia é os leilões com a imposição de requisitos que induzam de forma gradativa e firme, exigências em prol da descarbonização.

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